quarta-feira, 23 de outubro de 2019

Mortes e anomalias causadas por agrotóxicos revelam a fragilidade das "doses seguras" nos alimentos e na água

Cientista Mônica Lopes Ferreira revela riscos à saúde

Dados de pesquisa científica do Centro de Toxinas, Resposta-Imune e Sinalização Celular (CeTICS), de São Paulo, revelam que em doses até 30 vezes inferiores aos limites máximos tolerados pela legislação os agrotóxicos testados em zebrafish, pequenos peixes que têm 70% do genoma similar ao dos seres humanos, não são seguros para a saúde e o meio ambiente. Os efeitos decorrentes foram a mortalidade e anomalias diversas nos animais, reconhecidos internacionalmente como referência para estudos científicos. Há 85% de probabilidade de que as doenças verificadas nos peixes também ocorram nos humanos.

A pesquisa foi apresentada pela imunologista Dra. Mônica Lopes Ferreira, diretora do Laboratório Especial de Toxinologia Aplicada (LETA) e coordenadora da Plataforma Zebrafish, aos participantes da reunião plenária do Fórum Catarinense de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos e Transgênicos (FCCIAT), ocorrida no dia 21 de outubro. Além da contribuição científica, o resultado da pesquisa traz graves preocupações pelo fato de os agrotóxicos também estarem presentes nas águas brutas e, em muitos casos, também na água tratada para consumo humano.

A convite do FCCIAT e do Ministério Público de Santa Catarina, por intermédio do Centro de Apoio Operacional do Consumidor e do Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional, a cientista trouxe evidências de que concentrações inferiores às dosagens legais definidas como seguras no uso dos agrotóxicos – abamectina, acefato, alfacipermetrina, bendiocarbe, carbofurano, diazinon, etofenprox, glifosato, malationa e piriproxifem – causaram a morte ou efeitos de teratogenicidade (malformações congênitas no feto), carcinogênese (formação de câncer) e a neurotoxicidade (dano ao cérebro ou ao sistema nervoso) às populações-alvo de zebrafish (Danio rerio).


A pesquisa foi realizada pelo CeTICS a pedido do Ministério da Saúde (MS) e da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), para avaliar a exposição dos peixes às doses preconizadas como segura. Os resultados foram apresentados de forma inédita no FCCIAT. “Há dois meses, o assunto vem sendo comentado nas redes sociais, mas eu escolhi a plenária do Fórum de Santa Catarina para apresentar publicamente os dados pela primeira vez”, comentou a pesquisadora, revelando que o FCCIAT foi o que primeiro lhe deu apoio ao sofrer repressões em função da pesquisa – ver Moção de Apoio.

Conforme decisão proferida em 22 de outubro, o juízo da Vara da Fazenda Pública de São Paulo invalidou a punição aplicada pela Comissão de Ética do Instituto Butantan, que suspendia a pesquisadora por seis meses. Segundo o magistrado Luís Pires, "não há qualquer ponderação, por parte da Comissão de Ética, a respeito do resultado da pesquisa. Se há fortes indícios da toxicidade dos produtos ao meio ambiente, se há alta probabilidade que a exposição aos principais agrotóxicos usados no país causem problemas aos seres humanos, toda esta gama de informações, de inquestionável interesse público, foi posta ao largo pela comissão. Neste ponto, entre o dever de informar contido nas atribuições de uma pesquisadora, e o inexplicável silêncio da comissão de ética, além da intuitiva percepção de ter que prevalecer o primeiro, ainda se deve acrescer que ambas – pesquisadora e comissão – encontram-se no exercício de função pública, o que faz incidir o princípio republicano (art. 1º da Constituição Federal) que impõe os deveres de transparência e de prestação de contas em relação ao cidadão – o primeiro, dever de transparência, igualmente presente no princípio da publicidade previsto no art. 37, caput, da Constituição Federal." 

Pesquisas internacionais confirmam evidências


Na sequência da apresentação da pesquisa do CeTICS, o pesquisador do Centro de Informações Toxicológicas (CIATox/SC), médico Pablo Moritz, abordou os impactos de pesquisas internacionais a respeito dos agrotóxicos na saúde. “Sofremos com uma série de doenças causadas por essa exposição aos agrotóxicos, como os resíduos na comida, na água e no ar. Disso decorrem uma série de doenças graves, e continuamos a produzir dessa maneira, sem ouvir a ciência. Minha posição hoje é a de mostrar o que a ciência vem confirmando, para que possamos debater e mudar a maneira de produzir alimentos”, afirmou o pesquisador.


Com a exposição de estudos que comprovam a associação dos agrotóxicos com a elevação do risco de doenças como linfoma, leucemia, câncer de mama e de próstata, Alzheimer e Parkinson, o pesquisador confirma que não há dose segura de agrotóxicos para o sistema nervoso central em desenvolvimento; para os órgãos endócrino-dependentes em desenvolvimento; para o envelhecimento cerebral bem-sucedido; e para o equilíbrio do sistema endócrino em todas as idades. 

Modificação genética sem precaução

Cientista Sarah Agapito aborda organismos transgênicos
 A cientista Sarah Agapito Tenfen, que integra a equipe do laboratório do GenØk (Centro de Biossegurança), da Universidade Ártica da Noruega, proferiu palestra sobre as novas tecnologias de modificação genética, incluindo a técnica conhecida como edição de genomas.


Em sua fala, destacou que o Brasil é signatário da Convenção da Diversidade Biológica, do Protocolo de Cartagena e editou a Lei de Biossegurança, que preveem a observância do princípio da precaução no ordenamento jurídico brasileiro, contudo, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) passou a regular de modo contrário, permitindo a liberação de transgênicos sem quaisquer testes de segurança ambiental e alimentar. O tema será objeto de estudo do FCCIAT para adoção de providências perante as autoridades responsáveis pela matéria.


“Nesta sessão ordinária, que contou com mais de 100 participantes, abordamos temáticas de extrema relevância, como a tributação verde, que vem sendo defendida pelo Fórum desde 2016, e temas de grande profundidade científica, que precisam ser considerados por toda a sociedade. Esperamos que, com a apresentação de dados e estudos científicos neste dia, possamos caminhar para uma pauta de incentivo à agroecologia e à produção segura de alimentos”, afirmou o Coordenador do Centro de Apoio Operacional do Consumidor (CCO), Promotor de Justiça Eduardo Paladino.

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